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"Vim pelo caminho difícil, / a linha que nunca termina, / a linha bate na pedra, / a pedra quebra uma esquina, / mínima linha vazia, / a linha, uma vida inteira, / palavra, palavra minha." Paulo Leminski

sábado, 25 de abril de 2009

Derivação


Férteis campos feminis
Arados por primitivos desejos
Útero virado por sonhos febris
Desdenhados no refugar de um beijo

Suspiros de fêmea serpenteando em mim
Boca salivada de Eva a aspirar a maçã
Maria da vida a esperar em botequim
Que um dia, da noite, derive o amanhã.

Minhas Palavras

Se faço versinhos em versões distorcidas,
componho com punhos cerrados.
Palavras pervertidas, criações invertidas a contento,
meus lamentos: negros rumores da alma que às vezes converto
em versos brancos que invento.
Às vezes, portas fechadas,
componho presa a um pé de vento,
ao pé da letra, ao pé da mesa, aos pés de mim mesma.
Tantas vezes caço palavras em palavras mal cruzadas,
em linhas mal traçadas,
quando, mãos amordaçadas, sou eu sempre a frágil presa.
Às vezes represa, comportas abertas,
à livre palavra me prendo.
Fluida liberdade: a busco, abuso, improviso e crio.
Desalinho meus traços, sublinho meus passos,
desafirmo minhas máximas, desonero hemácias, me hidroliso.
Nas redundâncias me encontro,
me asterisco, me pontuo, me reticentencio.
Sem setas, sentenças, parafraseio meus contos,
corrijo meus pontos, me apresso sem metas,
perco o norte, vou ao surreal,
me pego analfabeta, em síntese, sem base,
em plena metástase gramatical.
Com minhas retóricas me calo. Escrevo.
Por instinto, insisto, convenço em silêncio.
Minhas palavras agudas são mudas,
meio ápice, apocalipse, absurdas,
pouco em si cabem,
se cabem, as sobras me invadem.
Mesmo assim componho,
mesmo que tudo se acabe, mesmo que eu volte ao início,
ao rupestre, ao hieróglifo, ao papiro,
que eu caia no precipício do tempo,
que me debata em debates nas Ágoras.
Minhas teorias, meus teoremas,
me pinto um inexato Pitágoras.
Transpiro poemas sob a luz de Apolo,
sob o alívio dos meus eufemismos,
no pouco exagero dos meus delírios,
ou em meus enfáticos paroxismos.
Na tonicidade em meus versos,
na vivacidade das rimas,
às vezes deixo obras mortas
escancarando minhas portas
às minhas quase obras-primas.