O que fica
depois da leitura dos "Versos temporais", de Leocy Saraiva é um
chamado. Os versos nos convidam à (re)leitura. Bate aquela vontade de trazer o
poema junto, de conviver com ele, de aprender com e ser apreendido por. Os
poemas açoitam dentro da gente, se demoram pelos cantos do quarto,
despedaçam-se nas calçadas, rolam dentro dos ônibus. Estes "Versos temporais"
assombram pela força!
É preciso apontar que a autora
compõe o seu estilo enquanto destila referências: Pessoa, Leminski, Caetano,
Poe, mas seus versos têm identidade – o que falta nos nossos tempos de larga produção
poética. São palavras de quem olha, paradoxalmente, de cima e de dentro.
Não do remoto, mas do longe-perto. Percebe-se neles a urgência da fome e a
cadência do ódio, a névoa da distância e o abismo do porvir.
Os versos de Leocy Saraiva fogem dos
lugares comuns, da fácil comoção. Fazem caminho inverso, ocultam-se sob véus
que, despudoradamente, nos convidam a descobrir e buscar deles a nudez frontal.
Seus versos nos atingem como um desacato. Disparam: "Enveneno em mim as
criações / de uma vida ingrata" e continuam, em outro poema, "não
tenho tempo / me atraso para o depois, / cancelo o que é agora" ou
sussurram "um menino segue / habitando o tempo. / E me guia:". Seus
versos nos confundem – o que é próprio mesmo da poesia: (des)consolar, ir
"do ventre ao caos" ou traduzir-se em um "ciclo de insignificâncias".
Leocy Saraiva, poeta que trava as
tempestades entre os dentes, entrega às nossas Letras versos que cortam e
afagam, "Versos temporais" que vêm em hora tão propícia: quando há o
inesperado, sem trombetas e anjo da anunciação. Vêm de um lugar que não sei bem
se é altar ou latrina e nos convidam ao melhor passeio: rumo ao desconhecido e
desabitado humano. Entre!
Guilherme Henrique Cavalcante
Escritor